A importância da frente interna como base de apoio aos exércitos em campanha foi um dos principais legados da I Guerra Mundial. A constatação de que as vitórias, ou as derrotas, já não podiam ser construídas unicamente no campo de batalha mas que eram o produto de um esforço comum, transversal a toda a sociedade, obrigou a uma mobilização, sem precedentes, cujos impactos e efeitos de arrastamento não deixaram de se fazer sentir em Portugal. A construção de uma economia de guerra implica a concepção de estratégias nacionais comparáveis nos seus objectivos aos planos militares, cabendo ao Estado desempenhar o papel de agente económico dotado de poderes para intervir na economia controlando gastos e consumos, tanto através do aumento de impostos como do tabelamento de preços ou do racionamento. O funcionamento da vida económica em situações de conflito implica  uma adaptação associada, quase sempre, à emergência de novos métodos de organização social, deste modo, as economias de guerra podem ser entendidas como sistemas de poder alternativos, onde interagem diferentes estruturas de natureza política, militar ou social. A análise económica de uma guerra implica a adopção de uma estratégia cruzada que passe por uma identificação dos diferentes actores em presença o que, na conjuntura política e económica em que eclode a I Guerra Mundial, implica que se equacione, desde logo, o papel desempenhado pelas interacções e pelas relações de dependência entre as realidades nacionais e as redes económicas globais onde Portugal se inseria.
Uma economia de guerra deve ser interpretada, sempre, como uma economia de excepção, que se desvia de uma “norma” que caberá à paz restabelecer.
A República portuguesa, apesar de, a pedido da Grã-Bretanha, não ter assumido uma posição nem de neutralidade, nem de beligerância, face à guerra na Europa, até 9 de Março de 1916, data em que os Impérios Centrais lhe declararam guerra, por força de limitações da produção nacional e em virtude dos efeitos de uma dependência externa crónica em subsistências, combustíveis e transportes (que o evoluir da Guerra se encarregaria de colocar ainda mais em evidência), foi forçada a organizar, a partir do final de 1914, uma economia de guerra, por forma a minorar os efeitos do conflito europeu na actividade económica e financeira do País.
Os objectivos das políticas económicas de guerra enunciadas pela I República foram, quase sempre, guiados por três objectivos específicos:
1. garantir o abastecimento do País em bens essenciais à subsistência quotidiana da população;
2. definir uma política de controlo de preços;
3. encontrar os instrumentos necessários à intensificação e auto-suficiência da produção agrícola.
É por isso clara a preocupação, transversal aos vários governos republicanos no poder ao longo dos anos de 1914 e 1918, no sentido de procurarem minimizar os efeitos da “questão das subsistências”, tendo em vista a diminuição dos níveis de conflitualidade social que inevitavelmente lhe estavam associados. Opções que demonstram o grau de dependência da economia nacional em matéria de comércio externo e que serviram para denunciar um conjunto de vulnerabilidades estruturais que caracterizavam a natureza e a composição do tecido produtivo português. A actuação do Estado apontava para uma única direcção: o combate à especulação, estratégia que passava desde logo pela:
- criação de organismos centrais e locais que tomassem providências tendo em vista a resolução do problema das subsistências;
- fixação de preços máximos e a elaboração de inventários de produção e consumo;
- criação, por conta do Estado, de armazéns reguladores de preços de géneros de primeira necessidade.
Compreende-se assim que, há medida que as dificuldades de abastecimento de géneros se ia agravando, crescesse, de forma excepcional, a necessidade de se proceder a um apuramento rigoroso da situação económica do País; só assim seria possível prever a quantidade de importações necessárias de modo a travar a degradação das condições e do nível de vida da população. Registe-se, a propósito, a inexistência de qualquer inquérito estatístico rigoroso que pudesse constituir um ponto de partida para o apuramento sistemático e detalhado da situação económica interna, permitindo à República contabilizar reservas e equacionar necessidades futuras de matérias-primas.
 Tornou-se igualmente claro, ao longo de toda a conjuntura, que a Guerra não era um argumento capaz de justificar por completo o agravamento da situação económica nacional, este aspecto adquire uma nova centralidade quando se analisam as exigências dirigidas ao Governo tanto pelo operariado como pelas associações industriais no sentido de verem implementadas medidas que condenassem a especulação dos preços dos géneros alimentícios, travando a sua alta constante. Esta intensificação da acção intervencionista do Estado na esfera da actividade económica veio demonstrar, também, que no caso específico das subsistências, se em teoria era fácil organizar tabelas de preços, as dificuldades surgiam quando o Governo se mostrava incapaz de garantir o abastecimento regular de mercadorias e de travar a especulação e o açambarcamento. Para mais, cedo se tornou evidente que a adopção de uma política económica de guerra orientada para a restrição da liberdade de consumo (através da adopção de tabelas de preços) e para a defesa do abastecimento nacional (proibição da exportação) teria poucos efeitos na resolução do problema das subsistências. Por outro lado tornava-se, igualmente, necessário encontrar os instrumentos adequados por forma a potenciar não só o desenvolvimento do sector dos transportes mas também a promoção e fomento da exportação e o aumento da produção agrícola, estratégia que tinha que ser gerida num quadro onde a “mão do Estado” vinha ganhando cada vez mais visibilidade.
 Em 1914 Portugal vivia um cenário de miséria social em tudo semelhante ao experimentado antes do conflito, agravado, é certo, pelas dificuldades de abastecimento de alguns produtos base da alimentação das classes mais pobres, como os cereais e o bacalhau, mas no essencial, a maioria da população continuava a retirar o seu sustento da terra, sem depender da importação, o que acabaria por impedir, numa primeira fase, que a economia interna fosse tão afectada pela conjuntura internacional como o seria a posição financeira do País.  Esta realidade acabou por suscitar, também, alguma reflexão no tocante ao desenvolvimento da hidráulica agrícola, abrindo caminho ao aproveitamento dos recursos naturais de zonas amplas do território nacional, em particular na região do Alentejo, contudo, como enquadramento geral, a Guerra só muito timidamente foi encarada pelos poderes públicos como uma oportunidade de transformação e modernização do sector agrícola. O mais interessante residia no reconhecimento de que, apesar de tudo, era o Estado quem se considerava dever reunir os melhores recursos e os meios necessários para transformar uma agricultura estruturalmente ineficiente num sector capaz de assegurar o desenvolvimento da produção.
A Guerra determinou um momento de viragem em relação ao papel do Estado, abrindo caminho a uma redefinição das suas funções ao nível da organização e gestão das actividades económicas e do tecido produtivo. O Estado passou a intervir cada vez mais, criando novos órgãos administrativos (Ministério das Subsistências e Transportes) que lhe permitiram controlar directamente o comércio exterior, numa tentativa de impedir a escassez de matérias-primas no mercado, contudo a organização da economia de guerra portuguesa acabou por não se traduzir numa mobilização intensa de recursos.
A conjuntura de Guerra não permitiu à agricultura, com excepção do breve período do sidonismo, inverter a queda de grande parte das suas produções, acentuando uma tendência que há muito se vinha verificando. O sector foi globalmente afectado não só pelas dificuldades de acesso a determinados factores de produção (sementes, adubos), mas também pelo retraimento da exportação de alguns produtos base da economia agrícola, nomeadamente o vinho do Porto, e por uma conjuntura climatérica pouco favorável. Por outro lado, algumas medidas adoptadas, nomeadamente o tabelamento de preços e a obrigatoriedade do manifesto das produções, acabaram por ter também reflexos negativos, gerando o descontentamento nos meios agrários. Na verdade, seria a indústria portuguesa, onde a intervenção do Estado só timidamente se fez sentir, quem acabou por tirar partido da conjuntura. A impossibilidade de importar deu-lhe espaço para desenvolver indústrias que noutras condições nunca teriam sido lucrativas. Esta “estratégia” de sobrevivência ficou indissociável da existência de três factores principais: (i) preços elevados; (ii) baixos salários; (iii) e ausência quase total de concorrência no campo internacional. De fora ficou, quase sempre, a renovação ou a modernização das estruturas produtivas.
Na verdade, a realizar-se, a reorganização económica do País, teria que partir de uma estratégia de desenvolvimento concertada, como lembrou o político francês André Tardieu: “as organizações económicas da Guerra hão-de ficar como poderosos instrumentos de acção económica nos tempos da paz”* .

Bibliografia:

BECKETT, Ian F. W., "War and the State" in The Great War 1914-1918, Pearson/Longman, Great Britain, 2007, p.344-436.

FRAGA, Luís Manuel Alves de, Portugal e a Primeira Grande Guerra. Os objectivos políticos e o esboço da estratégia nacional 1914-1916, Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa, Instituto de Ciências Sociais e Políticas, 1990.

PIRES, Ana Paula, Portugal e a I Guerra Mundial. A República e a economia de guerra, Lisboa, Caleidoscópio, 2011.

*Diário do Senado, Session n.º 22, 12 February 1919, p.16.

Ana Paula Pires

(IHC-FCSH-UNL)